terça-feira, 4 de junho de 2013

   Trecho de Cinquenta Tons de Cinza, de E. L. James  capitulo UM

Encaro a mim mesma no espelho, frustrada. Maldito cabelo, que simplesmente não obedece, e maldita Katherine Kavanagh que resolveu ficar doente e me submeter a essa tortura. Eu deveria estar estudando para as provas finais, que são daqui a uma semana, mas estou tentando amansar meu cabelo com a escova. Não devo dormir com ele molhado. Não devo dormir com ele molhado. Recitando várias vezes esse mantra, tento, mais uma vez, escová-lo até domá-lo. Reviro os olhos exasperada e fito a garota pálida de cabelo castanho e olhos azuis grandes demais para o seu rosto olhando para mim e desisto. Minha única opção é prender o cabelo rebelde num rabo de cavalo e esperar que eu fique mais ou menos apresentável.
Kate é garota com quem divido a casa, e escolheu logo hoje para ser vencida pela gripe. Portanto, não pode fazer a entrevista que conseguiu, com um megamagnata industrial de quem nunca ouvi falar, para o jornal da faculdade. Então ela me convocou como voluntária. Preciso meter a cara para as provas finais, tenho um ensaio para terminar, e devia ir trabalhar hoje à tarde, mas não: vou dirigir duzentos e setenta quilômetros até o centro de Seattle para encontrar o enigmático CEO da Grey Enterprises Holdings, Inc. Como empresário excepcional e principal benemérito de nossa universidade, seu tempo é extraordinariamente precioso — muito mais precioso que o meu —, mas ele concedeu uma entrevista a Kate. Uma grande conquista, diz ela. Malditas atividades extracurriculares de Kate.
Kate está encolhida no sofá da sala.
— Ana, me desculpe. Levei nove meses para conseguir essa entrevista. Vou levar mais seis para remarcar, e a essa altura nós duas já estaremos formadas. Como editora, não posso cancelar tudo. Por favor — Kate implora, com a voz rouca por causa da dor de garganta.
Como ela faz isso? Mesmo doente, está graciosa e muito bonita, o cabelo louro- -avermelhado no lugar e os olhos verdes luminosos, apesar de um pouco congestionados e lacrimejantes Ignoro meu inoportuno sentimento de solidariedade.
— Claro que vou, Kate. E você deve voltar para a cama. Quer um NyQuil? Ou um Tylenol?
— Um NyQuil, por favor. Aqui estão as perguntas e o meu gravador. Basta apertar aqui. Tome notas, que transcreverei tudo.
— Eu não sei nada sobre ele — murmuro, tentando em vão conter o pânico crescente.
— As perguntas vão ajudar você. Vá. A viagem é longa. Não quero que se atrase.
— Tudo bem. Estou indo. Volte para a cama. Fiz uma sopa para você esquentar mais tarde.— Olho para ela com carinho. Só por você, Kate, eu faria isso
— Vou esquentar. Boa sorte. E obrigada, Ana, como sempre você é a minha salva-vidas.
Pego minha mochila, lanço-lhe um sorriso irônico e depois saio para pegar o carro. Não posso acreditar que Kate me convenceu a fazer isso. Mas Kate consegue convencer qualquer um a fazer qualquer coisa. Ela vai ser uma jornalista excepcional. Sabe se expressar, é forte, persuasiva, sabe argumentar bem, é bonita — e é minha melhor e mais querida amiga.
As ruas estão vazias quando saio de Vancouver, Washington, em direção à Rodovia Interestadual 5. É cedo, e não preciso estar em Seattle antes das duas da tarde. Felizmente, Kate me emprestou a sua Mercedes esportiva CLK. Não sei bem se com Wanda, meu fusca velho, eu chegaria a tempo. Ah, a Mercedes é gostosa de dirigir, e os quilômetros deslizam à medida que piso fundo no acelerador.
Meu destino é a sede da empresa global do Sr. Grey. Trata-se de um prédio comercial de vinte andares, todo feito de vidro e aço, um desses projetos arquitetônicos excêntricos, com o nome grey house escrito discretamente em aço em cima das portas de vidro da entrada. São quinze para as duas quando chego e, com grande alívio por não estar atrasada, entro no saguão imenso — e, para ser sincera, intimidante — todo de vidro, aço e arenito.
Atrás da mesa maciça de arenito, uma jovem loura muito atraente e bem- -vestida sorri para mim com simpatia. Está vestida com o mais elegante conjunto de terninho cinza e camisa branca que já vi. Parece imaculada.
— Estou aqui para falar com o Sr. Grey. Anastasia Steele da parte de Katherine Kavanagh.
— Um momento, Srta. Steele.
Ela ergue a sobrancelha ligeiramente enquanto fico parada sem jeito à sua frente. Começo a desejar ter pedido emprestado um dos blazers formais de Kate em vez de ter vindo com a minha jaqueta azul-marinho. Fiz um esforço, e botei minha única saia, minhas botas até o joelho e um suéter azul. Para mim, estou bem elegante. Ponho para trás da orelha uma das mechas fugitivas do meu cabelo fingindo que ela não me intimida.
— A Srta. Kavanagh está sendo esperada. Assine aqui, por favor, Srta. Steele. É o último elevador à direita, vigésimo andar.— Ela sorri gentilmente para mim, sem dúvida se divertindo, enquanto assino.
Ela me entrega um crachá com a palavra “visitante” estampada com firmeza na frente. Não consigo conter o meu sorrisinho. Está na cara que só estou de visita. Não me encaixo aqui de jeito nenhum. Nada muda, suspiro internamente.
Agradecendo-lhe, vou até os elevadores passando por dois seguranças, ambos muito mais bem-vestidos que eu com seus ternos pretos bem-cortados.
O elevador me leva zunindo, em alta velocidade, para o vigésimo andar. As portas se abrem e estou em outro amplo saguão — novamente de vidro, aço e arenito branco. Deparo com outra mesa de arenito e outra jovem loura, dessa vez impecavelmente vestida de preto e branco, que se levanta para me receber. — Srta. Steele, poderia aguardar aqui, por favor? — diz, apontando para uma área de espera com cadeiras de couro brancas.
Atrás das cadeiras brancas, há uma espaçosa sala de reuniões de paredes de vidro com uma mesa igualmente espaçosa de madeira escura tendo ao redor pelo menos vinte cadeiras iguais. Além da mesa, há uma janela que vai do piso ao teto com vista para a cidade de Seattle. É uma paisagem incrível, e fico momentaneamente paralisada com essa vista. Uau!
Sento-me, pesco as perguntas na mochila, e as leio, xingando Kate mentalmente por não ter me fornecido uma breve biografia. Não sei nada sobre o homem que estou prestes a entrevistar. Ele poderia ter noventa anos ou trinta. A incerteza é mortificante, e fico de novo com os nervos à flor da pele, o que me deixa agitada. Nunca me senti à vontade com entrevistas cara a cara, preferindo o anonimato de uma discussão em grupo onde posso me sentar despercebida no fundo da sala. Para ser franca, prefiro ficar sozinha, lendo um romance britânico clássico, encolhida numa cadeira na biblioteca do campus. Não toda contraída de nervoso sentada num prédio colossal de vidro e pedra.
Reviro os olhos para mim mesma. Controle-se, Steele. A julgar pelo prédio, que é asséptico e moderno demais, acho que Grey está na faixa dos quarenta: forte, bronzeado e tem cabelo claro, para combinar com o restante dos funcionários.
Outra loura elegante e bem-vestida sai de uma grande porta à direita. Qual é a de todas essas louras impecáveis? Parece que estou em Stepford. Respirando fundo, eu me levanto.
— Srta. Steele? — chama a loura mais recente.
— Sim — grasno, e pigarreio. — Sim. — Pronto, esse soa mais seguro.
— O Sr. Grey já vai falar com a senhorita. Posso guardar sua jaqueta?
— Ah, por favor. — Tiro a jaqueta com dificuldade.
— Já lhe ofereceram algo para beber?
— Hum, não. — Ai meu Deus, será que a Loura Número Dois está ferrada?
A Loura Número Três fecha a cara e olha para a jovem à mesa.
— Gostaria de chá, café, água? — pergunta, voltando novamente a atenção para mim.
— Um copo d’água. Obrigada — murmuro.
— Olivia, vá buscar um copo d’água para a Srta. Steele, por favor. Sua voz é severa. Olivia se levanta depressa e corre para uma porta do outro lado do saguão.
— Peço desculpas, Srta. Steele, Olivia é nossa nova estagiária. Sente-se por favor. O Sr. Grey a atenderá em cinco minutos.
Olivia volta com um copo de água com gelo.
— Aqui está, Srta. Steele.
— Obrigada.
A Loura Número Três vai marchando até a grande mesa, o clique dos saltos no chão de arenito ecoando no ambiente. Ela se senta e ambas continuam seu trabalho.
Vai ver o Sr. Grey insiste em só ter funcionárias louras. Estou me perguntando se isso é legal, quando a porta do escritório se abre e um afro-americano alto, bem-vestido e atraente, com rastafáris curtos, sai lá de dentro. Definitivamente, escolhi a roupa errada.
Ele se volta para a porta e diz para o lado de dentro.
— Golfe esta semana, Grey? Não escuto a resposta. Ele se vira, me vê e sorri, os olhos escuros franzindo nos cantos. Olivia já se levantou e chamou o elevador. Ela parece ser especialista em se levantar de um pulo. Está mais nervosa que eu!
— Boa tarde, senhoras — diz ele ao entrar no elevador.
— O Sr. Grey vai recebê-la agora, Srta. Steele. Pode entrar — diz a Loura Número Três. Estou parada bastante trêmula tentando controlar os nervos. Pego a mochila, abandono meu copo d’água e me encaminho para a porta entreaberta.
— Não precisa bater, basta entrar. — Ela sorri com simpatia.
Empurro a porta, tropeço nos meus próprios pés e caio estatelada no escritório. Merda: eu e meus dois pés esquerdos! Caio de quatro no vão da porta da sala do Sr. Grey, e mãos delicadas me envolvem, ajudando-me a me levantar.
Que vergonha, que droga de falta de jeito! Tenho que me armar de coragem para erguer os olhos. Caramba... ele é muito jovem.
— Srta. Kavanagh. — Ele me estende uma mão de dedos longos quando já estou em pé. — Sou Christian Grey. A senhorita está bem? Gostaria de se sentar? Muito jovem. E atraente, muito atraente. É alto, está vestido com um belo terno cinza, camisa branca, e gravata preta, tem o cabelo revolto acobreado, e olhos cinzentos vivos que me olham com astúcia. Custo um pouco a conseguir falar.
— Hum. Na verdade... — murmuro.
Se esse cara tiver mais de trinta anos, eu sou mico de circo. Aturdida, coloco minha mão na dele e nos cumprimentamos. Quando nossos dedos se tocam, sinto um arrepio excitante me percorrer. Retiro a mão apressadamente, envergonhada. Deve ser eletricidade estática. Pisco depressa, pestanejando no ritmo da minha pulsação.
— A Srta. Kavanagh está indisposta, e me mandou no lugar dela. Espero que não se importe, Sr. Grey.
— E o seu nome é?
A voz dele é quente, possivelmente divertida, mas é difícil dizer por sua expressão impassível. Ele parece ligeiramente interessado, mas acima de tudo educado.
— Anastasia Steele. Estudo Literatura Inglesa com Kate, hum, Katherine... hum... a Srta. Kavanagh, na WSU em Vancouver.
— Entendi — diz ele simplesmente.
Acho que vejo a sombra de um sorriso em sua expressão, mas não tenho certeza.
— Quer se sentar?
Ele me indica um sofá de couro branco em L. A sala é grande demais para uma pessoa só. Na frente dos janelões que vão do piso ao teto, há uma enorme mesa moderna de madeira escura, ao redor da qual seis pessoas poderiam comer com conforto. Ela combina com a mesinha de apoio ao lado do sofá. Todo o resto é branco — teto, chão e paredes —, a não ser a parede ao lado da porta, onde há um mosaico formado por pequenas pinturas, trinta e seis quadrinhos, formando um quadrado. São excepcionais: uma série de objetos corriqueiros pintados com detalhes tão precisos que parecem fotografias. Dispostos juntos, são de tirar o fôlego.
— Um artista local. Trouton — diz Grey ao cruzar com o meu olhar.
— São lindos. Tornam extraordinário um objeto comum — murmuro, distraída com ele e com os quadros. Ele inclina a cabeça e me olha com atenção.
— Concordo plenamente, Srta. Steele — retruca ele, em voz baixa e, por alguma razão inexplicável, me pego corando.
À parte os quadros, o restante da sala é frio, limpo e asséptico. Pergunto- -me se reflete a personalidade do Adônis que afunda graciosamente numa das poltronas brancas de couro à minha frente. Balanço a cabeça, perturbada com o rumo dos meus pensamentos, e retiro as perguntas de Kate da mochila. Em seguida, configuro o gravador digital canhestramente, deixando-o cair duas vezes na mesa de centro diante de mim. O Sr. Grey não diz nada, aguardando com paciência — espero — enquanto fico cada vez mais sem jeito e nervosa. Quando arranjo coragem para olhar para ele, ele está me observando, uma das mãos relaxadas no colo e a outra segurando o queixo, passando o esguio dedo médio nos lábios. Acho que ele está tentando conter um sorriso.
— Desculpe — gaguejo. — Não estou acostumada com isso.
— Não tenha pressa, Srta. Steele — diz ele.
— O senhor se incomoda de eu gravar a entrevista?
— Depois de ter feito tanto esforço para configurar o gravador, é agora que me pergunta?
Enrubesço. Ele está me provocando? Acho que sim. Pisco para ele, sem saber bem o que dizer, e acho que ele fica com pena de mim porque cede.
— Não, não me importo.
— Kate, quero dizer, a Srta. Kavanagh, explicou para o que era a entrevista?
— Sim. Para sair na edição de formatura do jornal da faculdade, já que eu vou entregar os diplomas na cerimônia de graduação deste ano.
Ah! Isso é novidade para mim, e fico temporariamente preocupada com a ideia de que uma pessoa não muito mais velha que eu — tudo bem, talvez mais ou menos uns seis anos, e tudo bem, muitíssimo bem-sucedida, mas mesmo assim — vai me entregar o meu diploma. Franzo as sobrancelhas, arrastando a minha atenção rebelde para a tarefa em questão.
— Ótimo — engulo em seco. — Tenho algumas perguntas, Sr. Grey. — Passo uma mecha de cabelo desgarrada para atrás da orelha.
— Achei que poderia ter — diz ele, inexpressivo. Está rindo de mim. Minhas bochechas ficam vermelhas e, quando me dou conta, empertigo-me na cadeira e estico as costas tentando parecer mais alta e mais intimidadora. Apertando o botão do gravador, tento parecer profissional.
— O senhor é muito jovem para ter construído um império deste porte. A que deve seu sucesso? — Olho para ele. Seu sorriso é enternecedor, mas ele parece vagamente desapontado.
— Os negócios têm a ver com pessoas, Srta. Steele, e sou muito bom em avaliar pessoas. Sei como elas funcionam, o que as faz florescer, o que não faz, o que as inspira e como incentivá-las. Emprego uma equipe excepcional, e recompenso- a bem. — Ele faz uma pausa e me fita com aqueles olhos cinzentos.
— Acredito que, para alcançar o sucesso em qualquer projeto, é preciso dominá- lo, entendê-lo por completo, conhecer cada detalhe. Trabalho muito duro para isso. Tomo decisões com base na lógica e nos fatos. Tenho um instinto natural capaz de detectar e promover uma boa ideia, e boas pessoas. No fim, o fator preponderante sempre se resume a pessoas competentes.
— Quem sabe o senhor simplesmente tenha sorte. Isso não está na lista de Kate, mas ele é muito arrogante. Uma expressão de surpresa brilha rapidamente em seus olhos.
— Não acredito em sorte ou acaso, Srta. Steele. Quanto mais eu trabalho, mais sorte pareço ter. A questão é realmente contar com as pessoas certas na sua equipe e saber direcionar a energia delas. Acho que foi Harvey Firestone que disse: “O crescimento e o desenvolvimento das pessoas é a maior ambição da liderança.”
— O senhor fala como um fanático por controle. — As palavras saem da minha boca antes que eu possa impedi-las.
— Ah, eu controlo tudo, Srta. Steele — diz ele sem nenhum vestígio de humor no sorriso. Olho para ele, e ele sustenta o meu olhar, impassível. Meu coração bate mais depressa, e o meu rosto torna a corar.
Por que ele me deixa tão nervosa? Será pela impressionante aparência física? Pelo olhar inflamado que dirige a mim? Pelo jeito de passar o dedo no lábio inferior? Queria que ele parasse de fazer isso.
— Além do mais, é possível conquistar um imenso poder quando nos convencemos, em nossos devaneios mais secretos, de que nascemos para controlar
— prossegue ele, com a voz macia.
— Acha que possui um imenso poder? — Fanático por controle.
— Emprego mais de quarenta mil pessoas, Srta. Steele. Isso me dá certo senso de responsabilidade, ou poder, se quiser chamar assim. Se eu decidisse não me interessar mais por telecomunicações e vendesse minha empresa, em um mês, mais ou menos, vinte mil pessoas teriam dificuldade para pagar suas hipotecas.
Meu queixo cai. Estou estarrecida com sua falta de humildade.
— O senhor não tem uma diretoria à qual precise responder? — pergunto, enojada.
— A empresa é minha. Não tenho que responder a uma diretoria. — Ele ergue uma sobrancelha para mim. É claro que eu saberia disso se tivesse feito alguma pesquisa. Mas, cacete, ele é muito arrogante. Mudo de enfoque.
— E tem algum interesse fora o seu trabalho?
— Tenho interesses variados, Srta. Steele. — A sombra de um sorriso toca seus lábios. — Muito variados.
E, por alguma razão, fico confusa e excitada com seu olhar constante. Seus olhos estão iluminados por algum pensamento perverso.
— Mas se trabalha tanto, o que faz para relaxar?
— Relaxar? — Ele sorri, revelando dentes brancos perfeitos. Paro de respirar. Ele é mesmo bonito. Ninguém devia ser tão atraente. — Bem, para “relaxar” como você diz, eu velejo, voo, me entrego a várias atividades físicas. — Ele se mexe na cadeira. — Sou um homem muito rico, Srta. Steele, e tenho hobbies caros e apaixonantes.
Dou uma rápida olhada nas perguntas de Kate, desejando mudar de assunto.
— O senhor investe em manufaturas. Por que, especificamente? — pergunto Por que ele me deixa tão desconfortável?
— Gosto de construir coisas. Gosto de saber como as coisas funcionam: o que faz com que funcionem, como construí-las e desconstruí-las. E tenho adoração por navios. O que posso dizer?
— Parece que é o seu coração falando e não a lógica e os fatos. Ele repuxa o canto da boca, e me avalia com o olhar.
— É possível. Embora muitas pessoas digam que eu não tenho coração.
— Por que diriam isso?
— Porque me conhecem bem. — Ele dá um sorriso irônico.
— Seus amigos diriam que é fácil conhecê-lo? — E me arrependo da pergunta tão logo a faço. Não está na lista de Kate.
— Sou uma pessoa muito fechada, Sra. Steele. Esforço-me muito para proteger minha privacidade. Não dou muitas entrevistas...
— Por que concordou em dar esta?
— Porque sou benemérito da universidade, e, em termos práticos, não consegui me livrar da Srta. Kavanagh. Ela não parou de importunar o meu pessoal de relações-públicas, e eu admiro esse tipo de tenacidade.
Eu sei quão tenaz Kate pode ser. Por isso estou sentada aqui me contorcendo desconfortavelmente sob o olhar penetrante deste homem, quando deveria estar estudando para as provas.
— O senhor também investe em tecnologias agrícolas. Por que se interessa por essa área?
— Não podemos comer dinheiro, Srta. Steele, e há muita gente neste planeta que não tem o que comer.
— Essa justificativa soa muito filantrópica. É algo que o torna passional? Alimentar os pobres do mundo?
Ele dá de ombros, muito evasivo.
— É um negócio inteligente — murmura, embora eu ache que está sendo pouco sincero.
Não faz sentido, alimentar os pobres do mundo? Não vejo os benefícios financeiros disso, só a virtude do ideal. Dou uma olhada na pergunta seguinte, confusa com a atitude dele.
— O senhor tem uma filosofia? Caso tenha, qual é?
— Não tenho uma filosofia propriamente dita. Talvez alguns princípios orientadores. Como diz Carnegie: “O homem que adquire a habilidade de tomar posse completa de sua própria mente, pode tomar posse de qualquer coisa a que tenha direito.” Sou muito singular, ambicioso. Gosto de controlar, a mim e a quem me cerca.
— Então gosta de possuir coisas? — Você é um fanático por controle.
— Quero merecer possuí-las, mas sim, em resumo, eu gosto.
— O senhor parece ser um consumidor voraz.
— Eu sou. — Ele sorri, mas o sorriso não chega em seus olhos.
De novo, isso não bate com alguém que quer alimentar o mundo, então não posso deixar de pensar que estamos falando de outra coisa, mas estou absolutamente perplexa quanto ao que é. Engulo em seco. A temperatura da sala está subindo, ou talvez seja só a minha. Quero que esta entrevista acabe. Com certeza Kate já tem material suficiente. Olho a pergunta seguinte.
— O senhor foi adotado. Até que ponto acha que isso moldou sua maneira de ser? — Nossa, isso é muito pessoal. Olho para ele, torcendo para que não tenha se ofendido. Ele tem o olhar sombrio.
— Não tenho como saber.
Meu interesse aumenta.
— Quantos anos tinha quando foi adotado?
— Isso é assunto de domínio público, Srta. Steele. — Seu tom é severo.
Coro mais uma vez. Droga. Sim, claro, se eu soubesse que iria fazer esta entrevista, teria pesquisado um pouco. Perturbada, prossigo depressa.
— O senhor teve que sacrificar a vida familiar por causa do seu trabalho.
— Isso não é uma pergunta — afirma ele, contido.

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